A biorremediação aplicada à descontaminação de resíduos industriais
08/11/2022

A biorremediação aplicada à descontaminação de resíduos industriais
08/11/2022

Por Carolina Minnicelli

Entenda o que é este processo e como ele pode contribuir com o meio ambiente

 

O que é biorremediação?

A biorremediação é um processo que ocorre naturalmente pela ação de bactérias, fungos e plantas, no qual os processos metabólicos destes organismos são capazes de utilizar estes contaminantes como fonte de carbono e energia. De maneira simplificada, a biorremediação é o processo no qual os microrganismos se alimentam de contaminantes presentes no meio ambiente.

Como um processo tecnológico, a biorremediação pode ser gerenciada para degradar ou converter poluentes químicos em estados inócuos ou reduzir seus níveis de concentração abaixo dos estabelecidos pelas autoridades regulatórias. De maneira geral, a biorremediação se aplica a solo ou água contaminados.

 

Como aplicar biorremediação para resolver problemas?

O objetivo final da biorremediação deve ser restaurar eficazmente ambientes poluídos. Esforços recentes têm sido feitos para que o processo ocorra através de abordagens ecologicamente corretas e a um custo baixo.

Desde 2010 a Agência de Proteção Ambiental americana coloca a biorremediação in situ, ou seja, aplicação de microrganismos no local da contaminação, como um método mais viável financeiramente, comparado a incineração, aterro e lavagem dos resíduos. Observe o gráfico que mostra os tipos de tratamento do solo em função do custo por m³.

Comparação entre diferentes tipos de tratamento e seus respectivos custos (dólar) por m3 de solo. Fonte: Environmental Protection Agency, modificado por Andrade et al., (2010).

 

O processo de remoção de poluentes depende principalmente da natureza do poluente, que pode incluir: agroquímicos, compostos clorados, corantes, gases de efeito estufa, metais, hidrocarbonetos, lixo nuclear, plásticos e esgoto.

As técnicas de biorremediação podem ser categorizadas como: ex situ ou in situ (no local). A natureza do poluente, a profundidade e grau da contaminação, o tipo de meio ambiente, a localização, o custo e as políticas ambientais são alguns dos critérios de seleção que são considerados na escolha das técnicas de biorremediação.

Embora técnicas de biorremediação ex situ ou in situ sejam diversas, a maioria dos estudos em biorremediação estão focados em hidrocarbonetos devido à frequente poluição do solo e das águas subterrâneas com esse tipo específico de poluente. Isso porque a dependência do petróleo e de produtos relacionados como combustíveis e lubrificantes contribuem para o aumento da poluição resultante desta classe de poluente.

Em relação à contaminação com óleo, os resíduos provenientes da indústria petroleira passíveis de biorremediação incluem água de produção, solo, pedra e britas resultantes de atividades de extração de petróleo. Em postos de gasolina, o resíduo gerado pela lavagem do chão do posto e o entorno da caixa subterrânea de combustível também são passíveis de biorremediação.

Já a indústria metalúrgica, gera resíduos oleosos provenientes dos processos de lavagem das chapas, tornos e de pintura usados no processo de galvanização. As borras oleosas contendo óleo, água e carepas, resultante dos processos de lubrificação dos equipamentos e as borras provenientes dos processos de usinagem são passíveis de biorremediação.

O óleo ascarel, rico em bifenila policlorada, tão prejudicial à saúde humana e ao meio ambiente, proveniente de transformadores antigos e que vem sendo abolido desde a convenção de Estocolmo, pode também ser biorremediado.

Em relação a resíduos não oleosos, mas ainda assim considerados perigosos, os corantes da indústria têxtil e os pesticidas usados na agroindústria são passíveis de biorremediação.

Rita Portela é co-fundadora da Microciclo e liderou a estratégia de seleção das bactérias que compõem o primeiro produto da empresa, uma mistura biorremediadora voltada para descontaminação de efluentes oleosos.

Claro que nem todas as bactérias são capazes de degradar todos os contaminantes. É preciso vasculhar, triar e selecionar bactérias específicas a partir da grande biodiversidade microbiana existente no planeta. Desta forma, a Microciclo é uma empresa especializada na seleção de bactérias para compor misturas que degradam os resíduos industriais e desenvolveu uma estratégia para, a partir de uma amostra ambiental, cultivar bactérias específicas para realizar o trabalho de biorremediação. Este método de seleção de bactérias, assim como a aplicação do primeiro protótipo, voltado para a degradação de óleo, foi submetido a patente e pode ser replicado para o desenvolvimento de novas misturas para resíduos específicos da indústria.

 

Quais são as bactérias mais utilizadas em biorremediação?

As bactérias são muito diversas e conseguem degradar a grande maioria dos compostos existentes no mundo. Um exemplo disso é que algumas conseguem habitar ambientes extremos, desde temperaturas baixíssimas a altíssimas. Outras conseguem habitar o petróleo, que é tóxico para a maioria dos seres vivos.

Em relação ao petróleo, por exemplo, as bactérias de gêneros como as Acidovorans, Acinetobacter, Arthrobacter, Burkholderia, Bacillus, Comomonas, Corynebacterium, Flavobacterium, Gordonia, Microbacterium, Moraxella, Mycobacterium, Micrococcus, Neptunomonas, Nocardia, Paracoccus, Ralstonia, Rhodococcus, Sphingomonas, Stenotrophomonas, Streptomyces, Vibrio, entre outras, são bastante estudadas. Isso porque essas bactérias consomem o óleo como fonte de energia. As bactérias podem fazer isso na presença ou na ausência de oxigênio. Alguns inconvenientes das reações anaeróbicas (sem oxigênio) é que estas podem gerar resultados indesejáveis, como por exemplo, a corrosão de metais decorrente da produção de ácido sulfúrico. Por outro lado, quando consomem o óleo na presença do oxigênio, as bactérias conseguem converter compostos tóxicos complexos em subprodutos celulares inofensivos como CO2 e H2O.

A MicroCiclo selecionou bactérias degradadoras de óleo para resolver o problema dos resíduos industriais oleosos. Em conjunto elas atuam na “biorremediação co-metabólica”, na qual uma bactéria degrada um composto e gera um produto que serve de substrato (fonte de energia) para outra bactéria. Essas reações em cadeia aumentam a eficiência do processo.

O ajuste do produto da Microciclo é baseado na análise de dados genômicos, enquanto que o tratamento dos efluentes é ajustado com base na análise de dados de performance do produto. Na imagem Marbella da Fonsêca,  co-fundadora da Microciclo e responsável pela análise de dados.

Com o modelo de teste e validação do protótipo desenvolvido com resíduos reais das empresas de Santa Catarina, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Norte, a MicroCiclo, localizada em Natal – Rio Grande do Norte, tem tido resultados promissores. A remoção do óleo presente no efluente industrial, atingiu 100% em 30 dias, após aplicação da mistura de bactérias na formulação em pó. A viabilização do produto poderá atender outras empresas do Brasil.

O tratamento biológico exige boas práticas para manipulação dos microrganismos. Isso é assegurado pela resolução n. 314 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), que determina que os biorremediadores para serem vendidos ou expostos à venda ficam obrigados a exibir rótulos, bulas ou folhetos informativos próprios, contendo instruções e restrições do uso do produto. Além disso, o fabricante é obrigado a dizer quais EPIs são necessários para a manipulação do produto.

Uma informação importante é que os biorremediadores comerciais não podem conter bactérias do tipo Escherichia coli, Pseudomonas aeruginosa, e microrganismos dos gêneros Shigella e Salmonella. Estas bactérias são patogênicas, isto é, podem causar doenças nos seres humanos.

A biorremediação in situ, ou seja, no próprio local de contaminação, é a mais empregada no mundo. Atualmente, muitos produtos têm sido lançados no mercado mundial com o intuito de auxiliar no tratamento de solos contaminados por petróleo.

Estados Unidos, Canadá, Holanda, Alemanha, Noruega, Bélgica, Itália e Áustria empregam técnicas de biorremediação, com sucesso, em grandes volumes de terra contaminada com frações do petróleo, processo conhecido como biopilhas. Nos Estados Unidos, por exemplo, a agência ambiental americana contabilizava, em 2004, aproximadamente três mil práticas de biorremediação in situ usadas em contaminações por tanques de combustíveis subterrâneos.

No Brasil, o maior número de trabalhos envolvendo a biorremediação de solos, ocorre no Estado de São Paulo, onde a maior parte das áreas contaminadas, catalogadas pela agência ambiental CETESB, é proveniente de vazamentos de tanques subterrâneos de postos de serviços. Em contaminações deste tipo, tem prevalecido a utilização da biorremediação aeróbica (na presença do oxigênio) in situ. Em relação à biorremediação ex situ, na qual o contaminante deve ser removido para outro local onde a biorremediação ocorre, o primeiro projeto brasileiro de grande porte (55.000t de solo contaminado) ocorreu na refinaria REPLAN da Petrobras em 2002 e 2003.

Apesar de extremamente benéfica para o meio ambiente, a biorremediação ainda não é usada de maneira sistemática por indústrias. Sem alternativas, as empresas que geram grandes volumes de resíduos, enfrentam dificuldades para transportar esses resíduos até aterros industriais, recorrendo aos métodos convencionais.

Os métodos convencionais térmicos e químicos podem não resolver o problema de forma adequada. Em alguns casos, geram ainda mais passivos ambientais e subprodutos tóxicos. A biorremediação é vista como a tecnologia “verde” que possibilita a reutilização do resíduo. Portanto, é sustentável e promove economia circular. A pergunta certa seria: Por que não usar a biorremediação? As empresas só têm a ganhar e o meio ambiente agradece.

 

A legislação brasileira

Marcos de incentivo parecem alterar o caminho da biorremediação para um cenário mais otimista. A partir de 2016, a biorremediação, alinhada com a Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação 2016/2022, foi incluída no Plano de ação em Ciência Tecnologia e Inovação para Biotecnologia como uma estratégia de implementação da linha temática 1 de biotecnologia ambiental. Em resumo, o documento do MCTI ressalta a necessidade de investimento em projetos que consigam colocar, no mercado, os produtos de pesquisa, desenvolvimento e inovação em biorremediação.

Kamilla Barbalho (à esquerda da foto), coordena a execução de testes em laboratório e Carolina Minnicelli (à direita da foto) desenvolve a estratégia de mercado. Ambas são co-fundadoras da Microciclo.

A portaria de n° 1122, publicada março de 2020, também pelo MCTIC, define os setores de bioeconomia, tratamento e reciclagem de resíduos sólidos, tratamento de poluição e monitoramento, prevenção e recuperação de desastres naturais e ambientais como prioritários para investimento em pesquisa. Isso porque a área de tecnologias para o desenvolvimento sustentável contribui para o aumento da competitividade e produtividade nos setores voltados diretamente à produção de riquezas para o país.

Esses marcos de incentivo à pesquisa são importantes, pois impulsionam a pesquisa de alta qualidade, ressaltando o uso de bactérias como biorremediadoras, seja para uso em áreas impactadas por petróleo ou no tratamento de resíduos industriais.

A MicroCiclo está em fase de desenvolvimento de um produto de biorremediação para resíduos industriais oleosos. A implementação do serviço de descontaminação in situ, eliminando a necessidade de transporte do resíduo, trará inovação e sustentabilidade para as empresas.

 

Sobre a autora

Carolina Minnicelli é graduada em Ciências Biológicas, com ênfase em Biotecnologia, pela Universidade de Pernambuco, possui mestrado em Oncologia, pelo Instituto Nacional do Câncer, e doutorado em Inovação Tecnológica pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Em 2020, após o pós-doutorado na área de Genética de Microrganismos, no Laboratório de Biologia Molecular e Genômica (LBMG – UFRN), fundou a Microciclo Biotecnologia, cujo quadro de sócias é formado por mais quatro integrantes: Rita Portela, Kamilla Barbalho, Marbella da Fonsêca e Lucymara Agnez-Lima. Todas as fundadoras são pesquisadoras e cientistas empreendedoras.

 

 



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