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A importância do mindset empreendedor para o universo da pesquisa científica
10/05/2021

A importância do mindset empreendedor para o universo da pesquisa científica
10/05/2021

Este artigo é um breve guia para aqueles pesquisadores que desejam mudar sua forma de fazer pesquisa com vistas ao mercado de negócios

 

Por Juliana Saliba

“Me diga o que busca que desenvolverei”

Essa foi a resposta de um renomado pesquisador, que frente à decisão de uma grande empresa em não seguir adiante com o licenciamento da sua tecnologia, sentiu o impacto da frustação de sua empreitada. Sem dúvida, a frustação do insucesso daquela negociação foi significativa. O renomado pesquisador dedicou décadas de estudo e recursos para desenvolver a tecnologia que tanto sonhou, mas que possuía baixa atratividade no mercado.

Naquele dia, o pesquisador criou uma nova forma de enxergar a sua pesquisa, até então acadêmica, pela natureza da finalidade. A partir daquele momento, ele buscou mudar sua mentalidade de cientista per si, para ser um pesquisador empreendedor. Frente à adversidade, ele entendeu que poderia aplicar as potencialidades científicas do seu grupo de pesquisa e direcionar a rotina do dia a dia da sua pesquisa para desenvolver soluções que o mercado busca.

Eu vivenciei esse mesmo fato, em 2013, como participante da equipe de transferência de tecnologia da Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica – CTIT, da UFMG. Àquele tempo, entendi o quão mágico é a área de inovação e propriedade intelectual. Assim, passei a crer na viabilidade de migrar a pesquisa cientifica inovadora para o mundo de negócios por meio do empreendedorismo.

É frequente o questionamento de pesquisadores a respeito de como poderiam se tornar também profissionais empreendedores. Muitos desistem do desafio, pois esbarram nos quesitos próprios do perfil de empreendedor, ou seja, um profissional do mundo dos negócios.

A boa notícia é que é factível que um pesquisador se torne um pesquisador empreendedor. Assim, trago, nesse artigo, alguns conceitos e pontos práticos para o início deste processo.

 

O mindset empreendedor na pesquisa: introdução

O desafio de levar a ciência ao mercado não é novidade e encontrar formas de desenvolver o denominado mindset empreendedor não é óbvio. Entende-se que o processo inovador origina-se de uma percepção da necessidade da mudança da forma de pensar sobre algo que esteja já consolidado nas nossas ações e processos, ou seja, do fenômeno do mindset.

Compreende-se também que o perfil empreendedor na ciência pode acontecer naturalmente com a conscientização do “Eu” e do “Meu papel no ecossistema”. O ponto chave seria, na verdade, preparar-se para a mudança de mindset perguntando a si próprio: “Qual o meu papel na missão de levar o conhecimento científico, por mim produzido, em benefício à sociedade, e como seria possível adaptá-lo a este ambiente? ”

 

Dicas para se tornar um pesquisador empreendedor

Segue abaixo seis dicas para auxiliar o pesquisador no desenvolvimento do mindset empreendedor:

Aprenda a contar histórias

Quando se pergunta a um empreendedor, ou pesquisador de sucesso, sobre o que o motivou a criar um negócio ou uma linha de pesquisa, a sua história discorre sobre como conduziu o processo para alcançar os resultados obtidos e como superou os desafios não previstos. Diferentemente, no mundo dos negócios, há o investidor que, quando analisa uma oportunidade, ele pergunta: “Quem compõe o time de execução?”. É importante enfatizar que o investidor coloca o investimento em pessoas e não apenas na ideia, e busca competências, ou seja, pessoas com expertise de desenvolvimento de negócios, e não apenas uma tecnologia pronta.

Contar histórias é uma estratégia muito eficaz no mundo científico e de negócios e, sem dúvidas, um diferencial para construir oportunidades de parcerias e investimentos. Saiba contar a sua história e a do seu grupo de pesquisa.

Esta sou eu durante uma palestra sobre empreendedorismo e inovação que aconteceu em 2019 no BiotechTown

 

Na literatura podem ser encontradas metodologias e técnicas que ensinam como apresentar qualificações e experiências para se contar histórias, no caso de empreendedorismo. Elas são chamadas de técnicas de Pitch e consistem numa apresentação breve de um negócio ou oportunidade. No mercado, existem profissionais e cursos pagos e gratuitos no assunto.

 

Identifique o tipo de ciência

É importante entender qual tipo de pesquisa você desenvolve e construir o projeto de pesquisa baseado em indicadores de sucesso, impacto social e planejamento de execução.

Tanto a pesquisa aplicada, aquela que cria tecnologias que podem ser utilizadas para produzir produtos a serem consumidos, quanto a pesquisa básica, aquela que tem como objetivo elucidar variáveis naturais e fisiológicas, impactam a sociedade por meio da geração do conhecimento e da formação de profissionais qualificados.

Para a pesquisa básica, pode-se destacar alguns indicadores essenciais que são normalmente medidos pelo número de publicações científicas, participação em congressos, transferência de know-how e formação de competências. Já para a pesquisa aplicada, acrescenta-se indicadores como número de depósitos de patentes, taxa de transferência de tecnologia e número de tecnologias como objeto de inovação de spin-offs, empresas de bases tecnológicas criadas, neste caso, na universidade, para explorar uma propriedade intelectual gerada a partir de um trabalho de pesquisa desenvolvido em uma instituição acadêmica.

Uma estratégia comumente usada para tal finalidade é a construção de um roadmap tecnológico. De acordo com a Revista Mundo Logística, roadmap é uma forma de visualização gráfica da evolução de mercados, produtos e tecnologias. Uma técnica que permite apoiar processos de planejamento, análise histórica e alinhamento das visões sobre um dado tema. Esse planejamento vai tornar o seu projeto de pesquisa mais atraente aos olhos dos profissionais do mercado, seja ele um parceiro, investidor ou uma agência de fomento.

Identifique os pilares de sucesso do projeto de pesquisa

É essencial mitigar o risco do desenvolvimento tecnológico, aproximar o mercado do projeto de pesquisa idealizado perguntando ao mercado se a ideia é interessante antes mesmo de iniciar seu desenvolvimento ou pleitear um recurso financeiro. Também é interessante verificar os fatores que tornam seu projeto inovador, ou seja, identificar a proposta de valor que pretende entregar ao usuário final (por exemplo, o paciente) ou intermediário (por exemplo, o médico).

Estudos de prospecção tecnológica são cruciais para este tipo de análise. Por meio dessa ferramenta é possível não apenas identificar tendência de mercado, mas também mapear potenciais parceiros de co-desenvolvimento para um futuro licenciamento. Além disso, é possível descobrir sobre a viabilidade da futura criação de uma spin-off acadêmica.

Caso não tenha conhecimento para realizar tal estudo, capacite-se ou se associe a um especialista. Os núcleos de Inovação Tecnológica (NIT) nas universidades podem auxiliá-lo a construir esse caminho.

Crie uma rede de colaboradores multidisciplinares

É fundamental que o projeto tenha um integrante que saiba fazer negócios. É extremamente necessário, em sua rede de colaboradores, contar com profissionais com expertises complementares, ou que possuem o perfil para tal atribuição.

O desejo de um pesquisador de se capacitar em negócios é sempre bem-vindo. Entretanto, é importante ter em mente que será necessário se capacitar. É possível também que seja necessário ter que assumir as responsabilidades de negócios e delegar as responsabilidades técnicas.

Uma característica positiva e muito forte que os pesquisadores possuem é o “aprendo e faço”. Muitas vezes, durante a trajetória como cientistas, precisa-se ter essa postura, o que funciona muito bem no início de um negócio ou projeto, mas não é sustentável por muito tempo.

Um negócio de sucesso não acontece se os seus pilares técnicos, comerciais, jurídicos e financeiros não estão bem estruturados. Da mesma forma, um projeto de pesquisa não gera bons resultados se as competências científicas não forem complementares. Em ambas situações, é necessário contar com pessoas com competências complementares atuando em sinergia.

A dica é mapear, no seu grupo de pesquisa, quais são as competências dos colaboradores, suas hard skills e soft skills e definir as suas atribuições. Contratar perfis complementares. Em um grupo de pesquisa, sempre se tem um profissional com a habilidade da escrita de artigos, e outro que possui a expertise em análises de dados e relatórios experimentais.

Aprenda a vender e busque ativamente oportunidades

No ambiente acadêmico, exemplificando, não é um hábito mapear empresas participantes de um congresso ou simpósio. Também não é uma prática identificar, por meio de um estudo de mercado, empresas que poderiam se interessar por sua tecnologia ou linha de pesquisa.

Essas práticas podem trazer grandes frutos. Além disso, internalizar técnicas comerciais e aprender a elaborar um material de vendas pode ser a chave do sucesso de uma interação.

No momento de abordar um parceiro ou cliente tenha sempre em mãos um cartão de visita e um folder que possa enviar posteriormente a um parceiro. Caso não tenha aptidão para tal atuação, associe-se a pessoas que possuem essa competência, ou busque um parceiro que o auxilie.

Se o interesse é tanto empreender criando spin-offs, quanto oferecer a tecnologia ao mercado para licenciamento, sugere-se a aproximação com o NIT da universidade à qual é associado. Caso não tenha vínculo com universidades, busque um profissional no mercado que o apoie.

Planeje a mudança e comece do “início”

Finalizando esse artigo, eu autora, tomo a liberdade de contextualizar um momento crucial em minha carreira.

Em 2013 eu havia acabado de retornar do meu segundo pós-doutorado, que foi concluído na França. Muitas angústias e dúvidas surgiram em minha mente. Retornei dessa rica experiência determinada em dar novo rumo à minha vida profissional e não tinha ideia por onde começar.

Perguntei ao meu irmão mais velho, um empresário bem-sucedido, sobre dicas de como eu poderia traçar um caminho para migrar a minha carreira de pesquisadora para negócios. Ele disse: “Recomece do início, e não do zero. Tenha consciência que demandará tempo para amadurecimento. Reveja o que já construiu, aprenda com a sua história e se capacite em negócios. Aprenda com um profissional que te inspira. Tenha paciência, pratique e refaça. A mudança leva tempo e é sempre árdua”.

Este foi o ano em que empreendi na minha carreia e ingressei no mundo dos negócios. Após oito anos, entendo que ter lutado para ser profissional multidisciplinar valeu a pena. Hoje, continuo fazendo ciência, porém com um olhar diferente, como parte do mercado.

Espero que este artigo seja útil e o ajude a encontrar os primeiros caminhos dessa transformação.

Toda mudança é árdua, mas possível! Sucesso!

 

Sobre a autora

Juliana Saliba é PhD nas áreas Engenharia Metalúrgica e Engenharia Minas, pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e médica, pelo Institut National de la Recherche Médicale et de la Santé – INSERM, Paris; mestre e doutora em Farmácia com ênfase em Tecnologia Farmacêutica pela UFMG e graduada em Farmácia Industrial pela Universidade Federal de Ouro Preto.

Consultora, mentora e palestrante sobre Empreendedorismo em Ciências da Vida, possui mais de 10 publicações científicas, já mentorou mais de 200 startups e contribuiu para a formação de mais de 1000 empreendedores. Atualmente é Startup/Technology Hunter no BiotechTown.

 

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